terça-feira, setembro 18, 2007

Cenas da nossa Justiça





Nunca como nos últimos tempos a nossa política jurídico-criminal esteve tão sob a mira dos Portugueses e até da comunidade Internacional.
De há uns anos para cá, um surto de processos mediáticos trouxe à colação as fragilidades do nosso sistema jurídico, no que à parte criminal diz respeito.
O processo conhecido como “Casa Pia” que ainda está em fase de julgamento, seguindo-se os previsíveis recursos, envolvendo políticos e figuras mediáticas do nosso País, foi claramente percursor nesta moda de acompanhar os processos judicias através do telejornal, tal como se acompanha uma telenovela ou uma série.
Todos nós, a grande maioria sem conhecimentos jurídicos, alvitrámos todos os cenários possíveis, condenando ou absolvendo os nossos “personagens” preferidos ou os vilões dessa telenovela. O ícone maior dessa mediatização aconteceu com um dos arguidos, de seu nome Carlos Cruz, que claramente dividiu o País entre os que entendem tratar-se de uma cabala, ardilosamente montada contra ele, ou os muitos que o acham culpado dos crimes atrozes de que vem acusado.
Foi com esse processo que os Portugueses se foram identificando com os meandros jurídicos de conceitos como “prisão preventiva”, “segredo de justiça”, “arguido”, “instrução”, acusação”,”Ministério público” e afins.
O processo “Apito Dourado” foi a telenovela que se seguiu, ainda que a anterior não tenha terminado, mas tal como as televisões nos servem telenovelas de empreitada, que eu cuidadosamente evito, tudo porque o filão dos “reality-shows” se esgotou, também os processos obedecem a uma determinada lógica de mediatização, com os seus rankings picos de audiência e saturação.
Não foi sem algum macabro agrado que televisões e espectadores consumiram casos como “O Caso Joana”, “O Caso do cabo Costa” ou um ou outro acidente que meta mais mortos e, sobretudo que sejam macabros. Garantidamente temos todas as televisões a fazerem directos até à exaustão, que normalmente atingem o seu ponto de ruptura quando se põem a entrevistar os mirones (pois já não há mais quaisquer motivos de reportagem), que se deslocam a recônditos locais apenas para verem (ou será para serem vistos???), segundo eles, "o local onde tudo aconteceu".
Pergunto-me sempre: o que faz alguém sair da sua casa, percorrer quilómetros para ir ver o cenário de um crime?
Mas o apogeu, o clímax mediático deu-se com o desaparecimento da pequena “Maddie”.
Esta é uma novela que à partida já tinha todos os condimentos para ser avidamente absorvida pelas televisões durante muitos dias. A saber, o desaparecimento de uma criança, muito linda por sinal, morte ou rapto, pedofilia eventualmente, pais negligentes mas muito unidos, sempre de mãos dadas e extremamente católicos, o que comoveu ainda mais o povo, num misto de mártires dos tempos modernos, corajosos, abnegados e crentes, mas um novo dado tornou aquela notícia, que seria apenas mais um filão das televisões durante, no máximo duas semanas, num acontecimento à escala planetária – O Markting. Já se tinha visto de tudo neste mundo, mas uns pais a recorrerem a uma estratégia de marketing, contratando mesmo assessores de um futuro (agora já é actual) Primeiro-Ministro do Reino Unido, elevou o caso a um acontecimento jamais visto e aparentemente inexplicável, pois a ele aderiram automaticamente todos os ícones da sociedade moderna (estrelas de futebol, do cinema, o Papa, Governantes e todo o Povo por arrasto). Veja-se que a UEFA sempre tão conservadora, que p. ex. não tinha permitido que os jogadores Portugueses tivessem usado slogans “pró-Timor”, aquando da sua luta pela autodeterminação, desta vez permitiu que as maiores estrelas do futebol mundial apelassem, em pleno estádio à descoberta de menina.
Mas este caso, teve mais, ou seja, contou com uma “guerra” através da comunicação social entre dois Países (Portugal e a Inglaterra), onde os Ingleses vieram questionar todo o nosso edifício legislativo, os nossos institutos de direito, como sejam o momento da constituição de arguido e o segredo profissional. Aproveitaram e questionaram-nos também como povo, apelidando-nos de bárbaros. Não foi sem surpresa que "a páginas tantas" estávamos quase esquecidos da pequenina Maddie, afinal de contas o que verdadeiramente importa e, discutíamos nos cafés, nos empregos, em casa, sobre se os pais são ou não culpados. Que volte-face. Os Pais passaram rápidamente de vítimas a acusados por toda a opinião pública (toda não, mas para grande parte). Aguardam-se novos desenvolvimentos deste caso, sempre com audiências garantidas.
Curiosamente, esta semana começa sob o signo de duas situações extremamente polémicas sobre a justiça, com a soltura de muitos condenados em primeira e mesmo em segunda instância, mas com o estatuto de presos preventivos e ainda com a nova condenação da Câmara Municipal do Seixal no caso do menino que infelizmente faleceu ao cair numa tampa de esgoto no nosso concelho.
Não querendo pronunciar-me sobre nenhuma das situações (por enquanto) deixo duas notas:
Como foi possível o legislador não prever situações como as que estão a ocorrer nestas libertações? A lei até não me parece desadequada, mas a sua aplicação foi tão precipitada que cria situações de uma injustiça atroz. De quem é a culpa se um dos condenados que agora foi libertado cometer um novo crime?
Sobre a situação do Seixal, recuso-me a fazer política com um caso em que uma criança morreu e, em que não conheço profundamente o processo, mas volto a perguntar, como já anteriormente o fiz: Esta aparente predisposição do executivo em “fugir para a frente” e recorrer desta decisão, credibiliza-o? Credibiliza as instituições? É justo? No mínimo devia vir explicar aos seus concidadãos porque está a agir assim. Era o Mínimo!
Desafio os leitores deste post:
- Comentem os novos diplomas que criaram os Códigos Processo Penal e Código penal?
- A justiça portuguesa está a actuar bem no caso Maddie?
- A Câmara deve recorrer ou encerrar o assunto assumindo as suas responsabilidades (no pressuposto de entenderem que as tem)?

3 comentários:

Anónimo disse...

Assuntos bastante sérios.Boa abordagem a temas de grande interesse.

"Cenas" inacreditáveis. Como é possivel que seres humanos cometam certos actos? Arrepiantes.


F.O.

O que Paça na Praça disse...

De facto, parece que vivemos num país em que, nem sempre, os nossos governates analisam todas as consequências da Legislação emitida. Neste ultimoo caso, o que m parece é que se começou a constrir a casa pelo telhado. Legislação válida,sem possibilidade de aplicação prática. Boa crónica.

Anónimo disse...

Muito pertinente.
Eu diria, "cenas tristes".
É muito triste, que no mundo em que vivemos aconteçam casos destes e muito grave que não se consiga apurar a verdade.
Se a Justiça Portuguesa está a actuar bem? Não sei, penso que não dispomos de elementos, pelo menos à data, para fazer essa avaliação. Para mais, estando o processo em segredo de justiça, nem tudo tem sido revelado, e sinceramente acho que se revelou até em excesso e que muita extrapolação terá sido feita, o que poderá ser prejudicial.
Como sempre, à semelança de outros que tens escrito, um bom artigo. Um artigo para refletir.

M.C.